AS ETAPAS DO PROJETO ORGANIZAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DO ACERVO CLEOFE PERSON DE MATTOS
      André Guerra Cotta
Antonio Campos Monteiro Neto

CONCEPÇÃO DO PROJETO

A ideia do projeto Organização e Disponibilização do Acervo 1 Cleofe Person de Mattos surgiu em 2005, quando concluíamos o projeto de digitalização dos manuscritos musicais do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro. Escrevemos um texto preliminar e, tendo como portadora Eva Lins Corrêa de Oliveira, que assistiu à musicóloga na edição de obras do padre José Maurício pela FUNARTE, o encaminhamos à família Person de Mattos.

Nosso primeiro contato com o acervo ocorreu a convite de Astrid Person de Mattos Villas-Boas, sobrinha de Cleofe Person de Mattos, que, coincidentemente, buscava uma solução definitiva para sua guarda e difusão. Astrid apresentou-nos, no seu apartamento no bairro de Copacabana, Rio de Janeiro, a documentação, que estava abrigada em cerca de oitenta invólucros variados, desde caixas plásticas até sacolas de papelão.

Nesses invólucros, encontramos a documentação, em sua maior parte, abrigada em envelopes cuidadosamente etiquetados. Essa organização prévia dos documentos havia sido realizada por Astrid, na companhia de Ruth Person de Mattos Rocha, irmã de Cleofe, após o falecimento da musicóloga. Ruth, por décadas, havia atuado como dedicada arquivista para a irmã. Utilizamos essa organização preliminar como ponto de partida para o nosso próprio trabalho.

Além dos documentos, havia também a vasta biblioteca da musicóloga, que continuava no seu apartamento, à Rua do Russel, n.o 32, no bairro da Glória, Rio de Janeiro. Em visita posterior, nela encontramos algumas obras raras, entre as quais o livro Histoire de la Notation Musicale, de Ernest David e Mathis Lussy (Paris, 1882), uma cópia manuscrita, aparentemente da primeira metade do século XIX, da partitura da Criação, de Haydn, e fontes importantíssimas para a história da música no Brasil, como um raro exemplar do periódico Studium Theologicum (Curitiba, vol. 1, n.o 4, 1973), que contém o "Informe sobre o acervo de música sacra dos séculos XVIII e XIX encontrado em Barão de Cocais (Minas Gerais) do Arquivo Eclesiástico de Mariana", de José Penalva.

Cabe aqui a observação de que entre as nossas maiores preocupações, desde o início do projeto, estava o destino que teria a biblioteca de Cleofe. Havia uma primeira instituição disposta a receber a documentação, mas que alegava não haver espaço para acolher também a biblioteca. Observamos que, embora se trate de material bibliográfico, a biblioteca de Cleofe guarda uma relação estreita e orgânica - arquivística, portanto - com a produção intelectual da musicóloga. Muitas das publicações constam mencionadas nos documentos de trabalho, e nos próprios livros haviam inseridos algumas anotações, fotografias e recortes. Assim, do ponto de vista arquivístico, doar apenas a documentação a uma instituição, equivaleria a fragmentar o acervo.

Fig. 1 - A bilioteca de Cleofe Person de Mattos, tal como foi encontrada.

No decorrer do projeto, negociamos, tendo como precedente na fundamentação jurídica do processo de doação do Acervo Curt Lange à Universidade Federal de Minas Gerais, a doação do acervo à Biblioteca Alberto Nepomuceno, da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (BAN-UFRJ), disposta a recebê-lo na totalidade.

O passo seguinte foi redigir o texto do projeto para patrocínio, aprová-lo no Ministério da Cultura e submetê-lo ao Programa Petrobras Cultural. Convidamos a empresa Movimento.com Produções Artísticas Ltda para proponente. A empresa já havia prestado esse serviço no projeto Organização e Disponibilização do Acervo Musical do Cabido Metropolitano do Rio de Janeiro, nos anos de 2004 e 2005. O processo de captação durou dois anos; na primeira tentativa ele passou despercebido; na segunda, o projeto foi contemplado com patrocínio.

INICIAÇÃO DO PROJETO

Fig. 2 - Higienização do acervo.

O projeto teve início em maio de 2008. A família Person de Mattos cedeu-nos o antigo apartamento onde residiu a musicóloga. Nesse privilegiado espaço de trabalho, após uma pequena reforma, instalamos um escritório e um laboratório para a conservação e tratamento do acervo.

Na sala principal instalamos o laboratório, com armários para armazenar as caixas contendo a documentação, uma bancada destinada à manipulação e digitalização dos documentos, duas máquinas fotográficas digitais e dois computadores tipo laptop, com 3 GB de memória RAM, 250 GB de capacidade em disco rígido (HD) e monitores de 17". No escritório foi acomodada a biblioteca, um armário para o material de consumo diário e uma bancada destinada à higienização do acervo.

Instalamos, também no laboratório, um modem do tipo wireless para interligação entre os computadores e acesso à Internet, e dois HD externos para cópia de segurança.

Os computadores foram adquiridos já com o sistema operacional Windows Vista Home Premium. Utilizamos preferencialmente softwares gratuitos por medida de economia e pela praticidade. Foram instalados os seguintes programas: BROffice (editoração de textos e planilhas), Flexible Renamer (renomeação de arquivos digitais); e Adobe Photoshop (edição de imagens), este último proprietário. Esses softwares foram suficientes para o desenvolvimento das diversas etapas do projeto, tais como o processamento das imagens e a construção do site do acervo.

HIGIENIZAÇÃO DO ACERVO

Após transferirmos a documentação de volta ao apartamento de Cleofe à Rua do Russel, iniciamos a higienização do material, com a eliminação de poeira, grampos, eventuais agentes biológicos e outros materiais exógenos. Também a biblioteca foi higienizada e preparada para a futura doação.

DESCRIÇÃO DOS ITENS DOCUMENTAIS

Após a etapa de higienização, passamos à identificação e à descrição, a cargo dos musicólogos André Guerra Cotta e Marcelo Campos Hazan. A documentação foi mantida na ordem original em que foi recebida, com algumas exceções:

a) retiramos e agrupamos os diversos programas de concerto encontrados soltos em meio à documentação, exceto quando faziam parte de uma unidade, um dossiê ou um item.

b) retiramos também os recortes de jornal encontrados soltos em meio à documentação, exceto quando faziam parte de uma unidade, um dossiê ou um item.

c) durante a higienização da biblioteca, já havíamos retirado anotações e outros tipos de materiais encontrados no interior dos livros, e os guardávamos numa caixa específica.

Com base na ordem em que foram recebidos os invólucros, criamos uma codificação numérica, para identificá-los univocamente; cada envelope em seu interior e cada item documental no interior dos envelopes. Resolvemos manter a nomenclatura de Astrid e Ruth, que chamavam os invólucros de caixas; e os evelopes de maços. Assim, por exemplo, atribuímos o código 97.06.02 para identificar o item 2 do maço 6 da caixa 97. Pelo fato de alguns itens documentais apresentarem maior complexidade, surgiu a necessidade de subdividí-los em subitens, identificados com letras.

A partir desse código alfanumérico (endereço), criamos tabelas com a localização e a descrição de cada item ou subitem documental.

No que diz respeito ao texto da descrição, estabelecemos algumas diretrizes, que face à grande variação da tipologia documental, não foi possível seguir de modo estrito:

[<maço|dossiê>]. <tipo de documento predominante>, [<"original|reprodução">], [<instituição de origem>]: [[<código do subitem>)] <título do subitem>, [<tipologia do subitem>], [<apresentação do subitem>]]. [<observações>]

onde:

maço: conjunto de documentos sem ordenação;

dossiê: conjunto de documentos com alguma ordenação;

A ausência dessa informação indica um item documental simples.

tipo de documento predominante: texto livre, descrevendo a tipologia documental predominante no item;

original|reprodução: assinala se o item foi copiado; a ausência indica original;

instituição de origem: sigla da instituição que abriga o documento original. Para a razão social completa, ver Abreviaturas.

As informações a seguir podem repetir-se, para cada subitem. São elas:

código do subitem: letra, ausente se não houver subdivisão;

título do subitem: título ou excerto de uma frase do documento. Para obras musicais, corresponde ao nome do compositor e o título da obra entre aspas. Para as obras de JMNG, corresponde a CT e o título da obra entre aspas, estabelecidos no CT-JMNG.

tipologia do subitem: descrição tipológica do subitem. No caso de obras musicais, os principais tipos são: partitura, partes, cartina, incipit. Para os textos: anotação, bilhete, carta, convite, nota, texto, etc.

apresentação do subitem: indica o modo como o documento se apresenta; os principais modos são: datilografado, datiloscrito, impresso ou manuscrito;

observações: texto livre, informações adicionais.

[ ]: indica informação opcional. Assim, obrigatórias são somente a tipologia predominante e o título do documento.

À medida que cada item documental ia sendo codificado e descrito, elaborávamos gradativamente um quadro de arranjo 2 baseado na biografia de Cleofe Person de Mattos.

Tal como orienta a Norma Brasileira de Descrição Arquivística (NOBRADE), estabelecemos nesse processo as seções, ou seja, as primeiras frações lógicas do fundo arquivístico, reunindo cada qual documentos produzidos e acumulados com competências específicas. Como se trata de um arquivo pessoal, foram constituídas tendo como critério tanto os diferentes itens documentais relacionados à atuação artística de Cleofe Person de Mattos - a ACC e o MEC -, às diversas atividades a que se dedicou - magistério e pesquisa -, às etapas de da sua vida acadêmica - educação e formação musical -, e, quando necessário, já nesta primeira divisão lógica levou-se em conta a tipologia documental. Tais seções foram, de acordo com as diferentes características de cada uma, subdividas, como disposto na norma, em subseções e séries. Levamos em conta, adicionalmente, as informações existentes nos próprios documentos e esclarecimentos prestados pela família. Nos produtos finais do projeto - o website e o DVD-ROM com o acervo - o quadro de arranjo permite acessar os fac-símiles digitais.

Adicionalmente às oitenta caixas já em processamento, no mês de outubro de 2008, Astrid adicionou ao acervo mais vinte caixas, com material de Cleofe Person de Mattos que se encontrava na Associação de Canto Coral, e cujo conteúdo foi estimado em mais 20.000 páginas. Como não houve avaliação nem classificação prévia do material, foi imperativo requerer uma prorrogação do prazo final do projeto, para que pudéssemos classificar, digitalizar, processar as imagens e incorporar esse novo material ao quadro de arranjo do Acervo. A hipótese de se descartar o material não foi considerada, pois ele documentava uma das atividades profissionais mais importantes que desempenhou. A quantidade estimada de páginas a processar foi reavaliada em 120.000.

DIGITALIZAÇÃO

O processo de digitalização dos documentos consiste em fotografá-los em condições adequadas de iluminação, de modo a se obter imagens em alta resolução, com cerca de 6 MB cada, em formato JPEG.

Fig. 3 - Digitalização dos documentos.

Utilizamos duas câmeras digitais CANON PowerShot A650, com resolução máxima de 12 megapixels. As imagens foram armazenadas no computador no estado em que se encontravam, para serem posteriormente editoradas. A iluminação utilizada combinou lâmpadas de tungstênio e halogênicas.

A partir do levantamento inicial, levamos em conta o formato, dimensão, estado de conservação e tipo de papel de cada manuscrito ou impresso.

As fotografias digitais eram inicialmente armazenadas nos cartões magnéticos das câmeras. Periodicamente as transferíamos para o disco rígido dos computadores. Todos os dias, após o término da digitalização, realizávamos um backup das fotografias, para um disco rígido externo.

EDITORAÇÃO DAS IMAGENS DIGITAIS

A editoração das imagens deu-se em duas etapas:

a) Rotação, redução do tamanho e eliminação das bordas. O tamanho das imagens foi reduzido, de 6 MB para cerca de 300 KB. Para os manuscritos ou impressos que tinham o formato original retrato e sua fotografia apresentava-as como paisagem, foi realizada uma rotação. Para esta etapa utilizamos o Adobe Photoshop.

b) Atribuição de um novo nome identificador. Para identificar as imagens de forma sistemática, e eliminar o nome fornecido pela câmera, utilizamos o Flexible Renamer. A codificação utilizada para o identificador das imagens foi a seguinte:

<arquivo>-<número da caixa>-<número do maço>-<número do item>[<código do subitem>]-<número da imagem no documento>.jpg

onde:

arquivo: acpm - Acervo Cleofe Person de Mattos;

número da caixa: sequencial de 1 a 99; acrescentamos a "caixa" FM, para identificar os documentos que permaneceram com a famélia Person de Mattos e que foram digitalizados em caráter excepcional;

número do maço: sequencial no âmbito da caixa; identifica o dossiê;

número do item: sequencial no âmbito do dossiê; identifica o item documental;

código do subitem: código alfabético, utilizado quando houve necessidade de se subdividir um item;

número da imagem no documento: posição da imagem no documento, com 3 dígitos.

Fig. 4 - O material reacondicionado.

Não reordenamos as imagens, nem o acervo físico, de acordo com o quadro de arranjo. Conservamos a ordem original.

As imagens no website exibem suas cores originais. Para que o acervo coubesse em dois DVD-ROM, com lançamento dentro do prazo, foi necessário que reduzíssemos mais ainda o tamanho e e eliminássemos as cores. O tamanho médio das imagens passou a 100 KB.

ARMAZENAMENTO DAS IMAGENS EDITORADAS

A medida que iam sendo editoradas, as imagens eram gradualmente transferidas para o website de armazenamento 4shared, para que a equipe de musicologia, que trabalhou grande parte do tempo distante do escritório do projeto, pudesse baixá-las nos seus computadores e descrever os itens documentais.

REACONDICIONAMENTO DA DOCUMENTAÇÃO

Foram adquiridas 400 caixas e 250 folhas tamanho A2, de papel alcalino 350 g/m3, tamanho ofício, para acondicionar o material já digitalizado e processado, visando maior proteção contra a deterioração. Utilizamos as folhas para confeccionar caixas sob medida, para acondicionar o material que ultrapassava o tamanho ofício.

PROGRAMAÇÃO DO WEBSITE

O website foi programado inteiramente nas linguagens HTML e JavaScript. Ele possui uma página introdutória, a qual aciona uma curta animação, que em poucos segundos procura mostrar a relação entre Cleofe Person de Mattos, o padre José Maurício Nunes Garcia e a música brasileira e universal. Ao longo da animação, ouve-se um trecho da Abertura em Ré Maior, deste compositor. Para pular a animação e entrar na página principal, basta selecionar, com o mouse, a mensagem ENTRAR>.

Fig. 5 - Página inicial do website.

O principal instrumento para a navegação no website é a barra de menu lateral esquerda. Ela dispõe das seguintes opções:

Página inicial: frontispício do website. Contém uma fotografia de Cleofe Person de Mattos e os links para os websites dos patrocinadores, da proponente e da instituição beneficiária (EM-UFRJ);

O Projeto: contém uma monografia sobre o acervo e informaçes sobre as etapas do projeto, a equipe, as abreviaturas utilizadas e os agradecimentos;

Biografia: contém uma cronologia biográfica de Cleofe Person de Mattos, assim como a transcrição de um depoimento do maestro Ricardo Tacuchian, proferido na EM-UFRJ em outubro de 2009;

Quadro de Arranjo: permite o acesso aos facsímiles digitais dos documentos, ordenados em seções, subseções e séries;

Ordem Original: permite o acesso aos facsímiles digitais dos documentos na ordem em que nos foram entregues.

NOTAS

1 Trata-se, de acordo com a terminologia técnica, de um fundo arquivístico, no caso um arquivo pessoal. A denominação técnica correta seria arquivo ou fundo. Entretanto, por decisão da maioria da equipe, foi mantida a denominação acervo, uma vez que esta é de uso corrente pela comunidade ligada ao fundo documental em foco. Sobre a terminologia arquivística sugerimos consultar a NOBRADE e a ISAD(G), ambas acessíveis no web site do Arquivo Nacional.

2 A respeito dessa terminologia, assim como dos princípios que norteiam a elaboração de um quadro de arranjo, cf. BELLOTTO (1991: 89).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivos permanentes: tratamento documental. São Paulo: T.A. Queiroz, 1991. 198 p.

CONSELHO INTERNACIONAL DE ARQUIVOS. ISAD(G): Norma geral internacional de descrição arquivística. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2000.

MATTOS, Cleofe Person de. Catálogo Temático das obras do Padre José Maurício Nunes Garcia. Rio de Janeiro: MEC / Conselho Federal de Cultura, 1970.

NOBRADE. Norma brasileira de descrição arquivística. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2006.